Metaverso, Futebol e Direito

Em evento anual da empresa Facebook seu CEO anunciou que a gigante tecnológica concentrará esforços em um (novo) espaço digital denominado metaverso, motivando, inclusive, um rebranding da empresa com a criação do ecossistema META.[1]

Nas palavras do dono do Facebook “the “metaverse” is a set of virtual spaces where you can create and explore with other people who aren’t in the same physical space as you. You’ll be able to hang out with friends, work, play, learn, shop, create and more. It’s not necessarily about spending more time online — it’s about making the time you do spend online more meaningful”.[2]

Consoante o dicionário Collins,[3] a palavra inglesa metaverse é definida como: 1) uma versão proposta da internet que incorpora ambientes virtuais tridimensionais; 2) um mundo virtual tridimensional, especialmente em um RPG online; 3) o universo retratado em uma dada obra de ficção.

Apesar das definições apresentadas por Mark Zuckerberg e pelo dicionário Collins, válido utilizar as próximas linhas para explicar a popularização da palavra. Conforme matéria jornalística publicada no dia 15 de novembro de 2021 pela revista TIME, “a palavra “metaverso” é muitas vezes atribuída ao romance ciberpunk distópico de Neal Stephenson, Snow Crash, de 1992, e muitos veem uma inspiração recente no romance de Earnest Cline, Ready Player One, de 2018.[4]

Embora no final de 2021 tenha ocorrido um grande hype sobre a terminologia a “ideia” de metaverso não é inédita. Atualmente, pessoas com um dispositivo eletrônico que tenha acesso à internet já podem experimentar o embrião do novo universo que as big techs prometem desenvolver ou aprimorar nos próximos anos.

Os principais exemplos que emulam a ideia de metaverso estão atrelados ao mercado dos games. Jogos como Fortnite e Roblox podem nós apresentar uma dimensão do que pretendem as grades empresas de tecnologia.

O primeiro consiste em um jogo que contém quatro modos principais, sendo o mais destacado o battle royale, que pode ser retratado como um ambiente (ilha) em que vários jogadores são lançados e disputam a “sobrevivência”, sendo que o último a se manter vivo é o vitorioso.

O segundo possui uma concepção diferente, pois trata de um game onde os próprios jogadores criam o seu personagem e o seu próprio jogo (universo). No caso do Roblox é comum entre os jogadores criarem seus “mundos virtuais” (metaverso) para se reunirem no jogo.

Qual a relação desses jogos com metaverso? Em razão da enorme quantidade de jogadores, – segundo reportagem o game Roblox conta com mais de 170 milhões de usuários[5] – renomadas empresas decidiram investir em tais ambientes virtuais. Como assim? Explico, todos esses jogos são também utilizados como já dito para encontro (socialização?) de indivíduos em ambiente virtual. Exemplificando, com vistas a simular a vida “real” a empresa Epic Games – desenvolvedora do jogo Fortnite – realizou um show musical online onde o rapper norte americano Travis Scott se apresentou digitalmente e atraiu mais de 14 milhões de fãs[6].

Por outro lado, no game Roblox, grandes empresas já estão se conectando com a imensa massa de gamers – em geral crianças e adolescentes abaixo dos 16 anos – que participam do jogo. A título de exemplo, a marca Tommy Hilfiger lançou sua coleção virtual no game[7], quem seguiu o mesmo caminho foi a sua concorrente Ralph Lauren[8] e, por fim, a Nike anunciou a criação da Nikeland[9] dentro do jogo para venda de seus produtos.

Como essas empresas geram receita dentro de um jogo de vídeo game? Na maioria dos jogos virtuais predomina a ideia da criação de um avatar, isto é, a persona do jogador. Para desenvolver seu avatar o jogador necessita alcançar determinados objetivos ou adquirir dinheiro virtual para a aquisição de objetos dentro do jogo; no caso do Roblox, por exemplo, adquire-se o dinheiro virtual chamado Robux. Foi em virtude dessa “avatarização” que grandes empresas enxergaram uma oportunidade de negócio através da exploração de seu conteúdo no mundo de digital. Ou seja, o avatar de um determinado usuário pode utilizar roupas da Nike para comparecer ao show do Travis Scott.

Segundo o fundador do Facebook o objetivo é proporcionar uma experiência única aos usuários do metaverso, portanto, não se trata de uma nova rede social, mas, com o auxílio das tecnologias de realidade virtual, realidade aumentada ou mesmo na própria tela do dispositivo eletrônico, será ressignificada as interações humanas. Seu ambicioso projeto é interconectar todos os mundos virtuais (metaversos) existentes e transforma-los em um único ambiente.

Pois bem, mas qual a relação disso com o futebol e o mundo jurídico? O futebol é um esporte que está inserido no contexto do entretenimento. Estudiosos de diversas áreas analisam o futebol e demais modalidades esportivas como pertencentes à indústria da diversão e, por tal razão, foi criado o neologismo sportainment[10].

Se o esporte deve ser visto como uma espécie de entretenimento, clubes de futebol precisam se atentar a tal fato. Portanto, o atual enigma da esfinge  – decifra-me ou devoro-te – para clubes de futebol passa a ser como engajar fãs, ou melhor, consumidores ávidos por novas experiências.

Nesse contexto, surgem as ferramentas tecnológicas como caminho possível para decifrar o enigma citado acima. Clubes europeus utilizam muito bem a tecnologia para gerar novas receitas, porém, não é o caso da maioria dos clubes brasileiros que adotam o tradicional e ultrapassado modelo de gestão.

Na toada do metaverso clubes da Europa já se preparam para a nova realidade. O Manchester City em parceria com a empresa de tecnologia Sony pretende recriar virtualmente o seu estádio através da realidade virtual, sendo este um bom exemplo de exploração do metaverso. O estádio virtual será uma réplica exata do Etihad Stadium e contará com experiências virtuais, avatares personalizáveis, bem como programas de fidelidade interativos.[11]

De acordo com entrevista concedida ao site mais futebol o ex-diretor de Inovação e Transformação da FIFA, Luís Vicente, afirmou que “o metaverso vai ser um game changer para a indústria do futebol.” Explicou o antigo dirigente da FIFA que “o negócio do desporto é no fundo uma grande data company, talvez até a maior do mundo. Simplesmente não está a ser explorada pela entidade que gera o espetáculo. Quando olhamos para o negócio da música, vemos que o negócio dos promotores de concertos mudou muito, porque têm acesso a uma comunidade. Quando querem vender uma entrada, sabem que determinada pessoa já esteve em nove concertos este ano, deste tipo de música, e que por isso estará mais disponível em ir ao décimo concerto. Da mesma forma que sabem que outra pessoa não quer deslocar-se pessoalmente, mas está disponível para ver o concerto online.”[12]

Em sua fala, Luís Vicente deixa claro a sua visão do futebol como negócio ao realizar comparações com o mundo da música. Além disso, ressaltou o fato de os clubes serem grandes empresas de armazenamento de dados. É nesse ponto que surge o Direito, pois legislações atinentes ao campo digital pretendem regular essas novas tecnologias.

O ordenamento jurídico já apresenta uma miríade de regras sobre os novos ambientes digitais, contudo, na minha visão, a legislação que mais impactará a ideia de metaverso é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A recém publicada Lei – entrou em vigência em agosto/2020 – contém uma série de regras que orientam as empresas a tratarem os dados dos usuários. Todavia, com o uso intenso das redes sociais e a promessa de uma conexão ainda maior com o mundo virtual – graças à proximidade da chegada da tecnologia 5G e a novas entradas para o metaverso – o país ainda tem um longo caminho a percorrer na proteção de dados dos cidadãos.

Fato é que clubes de futebol geram imensa e variadas quantidades de dados, desde questões envolvendo a relação do atleta com o clube até os com os torcedores. Na relação com o atleta podem ser gerados dados de natureza pessoal tais como a distância percorrida em treinos e jogos, índices fisiológicos, dentre outros. Por sua vez, na ligação com o torcedor dados como faixa etária, faixa remuneratória, indicadores de consumo e etc, são uma tônica.

Cedo ou tarde os negócios serão ainda mais expandidos para o mundo digital, e havendo maior interação de antigos e novos fãs a questão torna-se ainda mais intrincada. Usando como exemplo a ideia que está sendo desenvolvida pelo Manchester City, poderão assistir aos jogos do clube torcedores de várias partes do mundo, o que certamente irá gerar uma complexa cadeia de relações jurídicas.

Finalizando este breve texto, que de forma alguma pretende esgotar a temática, tendo como escopo demonstrar um novo contexto sobretudo para profissionais ligados à indústria do esporte, em recente matéria publicada no jornal The Washigton Post o analista em tecnologia e articulista do jornal, Will Oremus, publicou um artigo com o seguinte título: “In 2021, tech talked up ‘the metaverse.’ One problem: It doesn’t exist”.[13] Na mesma linha, a publicação realizada pela jornalista Avi Gopini[14] acrescenta que “o que se entendo hoje por metaverso é apenas uma repaginação das populares plataformas de mídias sociais”.

Diante de tudo que foi escrito, não é possível afirmar até que ponto o ser humano conseguirá replicar na real life o que é feito em filmes de ficção científica, mas uma coisa é concreta, a evolução tecnológica caminha a passos largos e isto irá proporcionar o surgimento de novas formas de se relacionar e, por conseguinte, gerar receitas para clubes de futebol.

 

[1] https://www.theguardian.com/technology/2021/oct/28/facebook-mark-zuckerberg-meta-metaverse acessado em 07/01/2022

[2] Tradução literal: O metaverso é um conjunto de espaços virtuais onde você pode criar e explorar com outras pessoas que não estão no mesmo espaço físico que você. Você poderá sair com amigos, trabalhar, brincar, aprender, fazer compras, criar e muito mais. Não se trata necessariamente de passar mais tempo online – trata-se de tornar o tempo que você passa online mais significativo.

[3] https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english/metaverse acessado em 26/12/2021

[4] https://time.com/6116826/what-is-the-metaverse/ acessado em 26/12/2021

[5] https://www.affde.com/pt/roblox-users.html acesso em 08/01/2022.

[6] https://g1.globo.com/pop-arte/games/noticia/2020/04/24/travis-scott-faz-show-em-fortnite-para-14-milhoes-de-fas.ghtml acesso em 08/01/2022.

[7] https://gkpb.com.br/80450/tommy-hilfiger-roblox/ acesso em 08/01/2022.

[8] https://forbes.com.br/forbes-tech/2021/12/ralph-lauren-aposta-em-experiencia-ao-estrear-no-roblox/ acesso em 08/01/2022.

[9] https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/exemplos-do-metaverso-marcas-que-atuam-com-propriedade/ acesso em 08/01/2022.

[10] Junção das palavras sport e entertainment (esporte e entretenimento).

[11] https://markets.businessinsider.com/news/currencies/metaverse-investing-crypto-sport-manchester-city-sony-nft-sandbox-decentraland-2021-12 acesso em 08/01/2022.

[12] https://maisfutebol.iol.pt/entrevista/metaverse/o-metaverso-vai-ser-um-game-changer-para-a-industria-do-futebol acesso em 08/01/2022.

[13] https://www.washingtonpost.com/technology/2021/12/30/metaverse-definition-facebook-horizon-worlds/ acesso em 08/01/2022. Tradução literal: Em 2021, a tecnologia falou sobre ‘o metaverso’. Um problema: ele não existe”.

[14] https://analyticsindiamag.com/2021-was-a-lie-the-metaverse-doesnt-exist-yet/ acesso em 08/01/2022.

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